Inocorrência de abolitio criminis no art. 89, parágrafo único, da Lei Federal n. 8.666/1993

Sem razão a parte ré quanto à ocorrência da abolitio criminis quanto ao parágrafo único do art. 89 da Lei Federal n. 8.666/1993. É possível que subsuma a conduta ao disposto no caput do art. 337-E do Código Penal com o auxílio do disposto no art. 29 do mesmo diploma. Assim, ocorreu a figura da continuidade normativo-típica.

Já decidiu o e. TJSP:

HABEAS CORPUS. Crimes em Licitações. Pleito dos impetrantes de que fosse reconhecida a ocorrência de abolitio criminis. Inocorrência. Arts. 3º-A, incluído no Estatuto da OAB e 337-E, incluído no Código Penal, que, a princípio, em análise perfunctória, própria dessa via estreita do habeas corpus, mantiveram a criminalização da conduta de dispensa ilegal de licitação (contratação direta ilegal), a despeito da revogação do art. 89, da Lei n.º 8.666/93. Inexistência de descriminalização da conduta, tendo havido a continuidade normativo-típica. Ausência de prejuízo, não havendo prisão decretada. Juiz de primeiro grau que ainda analisará tal pedido com a profundidade necessária. Ausência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. (TJSP; Habeas Corpus Criminal 2102524-12.2021.8.26.0000; Relator (a): Marcelo Semer; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Criminal; j. em 4/9/2021)

No mesmo sentido, no bojo do acórdão, a 5ª Câmara de Criminal (TJSP; Apelação Criminal 0002653-42.2017.8.26.0466; Relator (a): Claudia Fonseca Fanucchi; j. em 18/11/2021).

Explicando que a conduta continua mantido como criminosa considerando a conjugação dos arts. 29 e 337-E, ambos do Código Penal, decidiu a 9ª Câmara de Direito Criminal do e. TJSP:

Recurso em sentido estrito. Recorrentes denunciados por infração ao artigo 89, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, e no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67. Revogação da Lei nº 8.666/1993 pela Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações). Pedido de reconhecimento da "abolitio criminis" afastado. Recurso defensivo buscando a reforma do "decisum". Não acolhimento. Caráter criminoso da conduta descrita na denúncia que se manteve em outros dispositivos legais, operando-se a continuidade normativo-típica. Recurso não provido. (TJSP; Recurso em Sentido Estrito 0000752-96.2021.8.26.0531; Relator (a): Sérgio Coelho; j. em 29/11/2021)

Rejeito, pois, a referida tese.

incabível interrogatório ao final, para somente então receber a denúncia

Sem razão a parte ré. O que pretende é que se cometa ato tido pelo Supremo Tribunal Federal como inconstitucional.

A aplicação do já revogado art. 104 da Lei Federal n. 8.666/1993 causaria nulidade ao feito, considerando a obrigatoriedade da realização do interrogatório ao final da instrução. Sobre a obrigatoriedade, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

Habeas corpus. Penal e processual penal militar. Posse de substância entorpecente em local sujeito à administração militar (CPM, art. 290). Crime praticado por militares em situação de atividade em lugar sujeito à administração militar. Competência da Justiça Castrense configurada (CF, art. 124 c/c CPM, art. 9º, I, b). [...] Interrogatório. Realização ao final da instrução (art. 400, CPP). Obrigatoriedade. Aplicação às ações penais em trâmite na Justiça Militar dessa alteração introduzida pela Lei nº 11.719/08, em detrimento do art. 302 do Decreto-Lei nº 1.002/69. Precedentes. Adequação do sistema acusatório democrático aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988. Máxima efetividade dos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). Incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso. Ordem denegada. Fixada orientação quanto a incidência da norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. [...] 3. Nulidade do interrogatório dos pacientes como primeiro ato da instrução processual (CPPM, art. 302). 4. A Lei nº 11.719/08 adequou o sistema acusatório democrático, integrando-o de forma mais harmoniosa aos preceitos constitucionais da Carta de República de 1988, assegurando-se maior efetividade a seus princípios, notadamente, os do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV). 5. Por ser mais benéfica (lex mitior) e harmoniosa com a Constituição Federal, há de preponderar, no processo penal militar (Decreto-Lei nº 1.002/69), a regra do art. 400 do Código de Processo Penal. 6. De modo a não comprometer o princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI) nos feitos já sentenciados, essa orientação deve ser aplicada somente aos processos penais militares cuja instrução não se tenha encerrado, o que não é o caso dos autos, já que há sentença condenatória proferida em desfavor dos pacientes desde 29/7/14. 7. Ordem denegada, com a fixação da seguinte orientação: a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum aplica-se, a partir da publicação da ata do presente julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado. (HC 127900, Relator(a): Dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. em 3/3/2016)

O presente feito é procedimento penal regido por legislação especial cuja instrução não se encerrou. Aplicável, pois, a referida decisão acima citada.

Assim, mantenho o que decidi às fls. 390/392, por fundamento diverso, considerando que o que a parte pretende às fls. 272/275 é a violação do sistema acusatório, com a realização de interrogatório em momento indevido.

Cumpra-se fls. 390/392.