Alegar que “não provou” não é o mesmo que impugnar especificamente

(só se aplica se o réu tinha condições de afirmar “não ocorreu”).

no que toca à afirmação da parte ré de que a parte autora não provou que pediu o bloqueio da conta após sua descoberta, não é capaz de controverter o fato.

Explico.

A contestação deve atender à regra da impugnação específica, conforme explica Luiz Rodrigues Wambier:

“O ônus da impugnação específica exige que o réu, além de manifestar-se precisamente sobre cada um deles, expresse fundamentação em suas alegações, ou seja, cumpre ao réu dizer como os fatos ocorreram e porque nega os fatos apresentados pelo autor” (Luiz Rodrigues Wambier et allii. Curso Avançado de Processo Civil. Volume 1, 5ª ed. ver. atual e amp., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 362).

Vê-se, pois, que, para impugnar especificamente fatos alegados, é necessário dizer como os fatos ocorreram no entendimento da ré, fundamentando tal negativa.

E negar fatos, no entendimento da doutrina, significa dizer que: a) não são verdadeiros; ou b) ocorreram de maneira diversa daquela exposta pelo autor. Nesse sentido:

“[Em referência ao art. 302, do CPC] Essa disposição da lei faz ver que ao réu insta apreciar, com precisão, os fatos em que o autor fundamenta o seu direito e o seu pedido. Ao enfrentá-los, cabe-lhe impugná-los, confessá-los ou admiti-los. Impugnando-os, terá que dar as razões da impugnação, isto é, dizer por que não são verdadeiros ou porque na verdade, são diversos dos fatos expostos pelo autor” (Moacyr Amaral Santos. Primeira Linhas de Direito Processual Civil. Volume II. 10ª ed. atual., São Paulo: Saraiva, 1985. p. 214. Sem grifos no original).

Interessante destacar a conclusão exposta no trecho acima transcrito, que, apesar de amplamente conhecida no âmbito jurídico, é de grande peso argumentativo, aqui:

“Os fatos não especificadamente impugnados são por presunção havidos como verdadeiros, ficando o autor liberado do ônus de prová-los” (Idem, p. 214).

Dos trechos acima, e da sistemática do Código de Processo Civil, é possível extrair que os fatos são alegados na peça inicial e devem ser impugnados na contestação (ou peça análoga). Após, verificam-se quais dos fatos alegados na inicial foram impugnados. Os fatos que não foram impugnados, em regra, presumem-se verdadeiros. Os fatos que foram impugnados devem ser provados. Inicia-se, então, a instrução probatória, que tem por objeto apenas os fatos controvertidos (ou seja, os fatos alegados e impugnados).

Terminada essa fase, às partes é aberto prazo para alegações finais. É neste momento que cada uma delas pode argumentar, dentre outras coisas, que determinado fato, o qual cabia a seu adversário provar, não restou comprovado. Leia-se: dizer que determinado fato não aconteceu, ou aconteceu de forma diferente do alegado, é cabível no momento da impugnação específica dos fatos.

Assim, dizer que determinado fato não foi comprovado é alegação cabível só após a instrução probatória, quando é possível fazer um cotejo entre os fatos que foram efetivamente controvertidos e as provas produzidas no feito. Compreende-se, portanto, que afirmar, no momento da contestação, que determinado fato não foi comprovado não é o mesmo que impugná-lo especificamente. Isso porque só depende de comprovação o que foi impugnado. Ou seja, afirmar que “não houve comprovação” não é impugnar o fato.

Caso fosse possível tal entendimento do termo “impugnar”, haveria uma impropriedade técnica, em que se confundiriam atos postulatórios (meramente alegar) com as alegações finais (cotejo do alegado com o provado). Impugnar, pois, só pode significar afirmar que algo não ocorreu, ou que, tendo ocorrido, o foi de forma diferente da alegada. Afirmar, na contestação, que determinado fato não foi comprovado na inicial é pretender criar para os demandantes o ônus, que a lei não prevê, de fazer sempre prova pré-constituída e documental de suas alegações. Ao fazê-lo a ré, além de sustentar sua defesa no descumprimento de um ônus que a lei não impôs aos autores, deixa de cumprir o ônus que a lei impõe a ela, ré, que é o de negar específica e expressamente que os fatos ocorreram, ou explicar de que modo eles ocorreram, se ocorreram de forma diferente da relatada na inicial. Quando a ré, como aqui, não afirma categórica e especificamente que os fatos da inicial são falsos, admite tacitamente sua veracidade.

Afirmar, na peça de defesa, que não houve comprovação do fato alegado na inicial é ignorar que um fato somente precisa de comprovação se for impugnado. Diz o CPC:

"Art. 334. Não dependem de prova os fatos: [...]

II, afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

III, admitidos, no processo, como incontroversos".