Anote-se a prioridade de tramitação. Trata-se de ação cominatória proposta pelo Ministério Público em face do Município de Teodoro Sampaio e em favor de xxx. Alega, em síntese, o seguinte: após procedimento interno, verificou que xxxx está em situação de risco; reside em local insalubre, acumulando lixo e recusando ajuda para limpeza; sofre de alcoolismo e está em situação de abandono, sendo agressivo e não aceitando a ajuda de terceiros; o Município constatou a inexistência de problemas psiquiátricos mas não realizou avaliação para verificar uso abusivo de álcool e drogas, havendo omissão; o local sofre de risco sanitário; é necessário o encaminhamento do idoso para tratamento de saúde adequado, após avaliação médica; se necessário, o Município deve ofertar o tratamento para o uso abusivo de álcool; é essencial promover a limpeza do local; se verificada a impossibilidade de o idoso residir sem acompanhamento diário, deve ser encaminhado a entidade de acolhimento. Pediu, liminarmente, a concessão da medida protetiva consistente no encaminhamento do idoso para tratamento ambulatorial ou internação, com relatório de atendimento a cada 30 dias; e que a Secretaria de Promoção Social do Município e Conselho Municipal do Idoso tenham ciência e adotem providências para a minimização da situação de risco; que se determine permissão para entrada na residência, interna e externamente, para erradicação dos problemas sanitários; e que, se necessário, seja o idoso acolhido na entidade adequada. Ao final, pediu a confirmação das liminares. É o breve relatório. Passo a decidir. Diz o art. 506 do CPC que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros. E como quem não pode o mais, não pode o menos, não é possível que a tutela jurisdicional liminar prejudique terceiros. A pretensão, aqui, é dirigida em face do Município de Teodoro Sampaio. Na forma do art. 45 do Estatuto do Idoso, o Ministério Público tem legitimidade para pleitear que outras pessoas realizem atos necessários à concretização dos direitos do idoso representado. Todavia, enquanto xxxx não estiver no polo passivo, não é possível deferir medidas que impliquem em ato contrário a sua vontade (como a internação compulsória, entrada forçada em domicílio ou abrigo em instituição de longa permanência), já que a resistência a uma pretensão, se for o caso de vencê-la, exige contraditório e ampla defesa. Nesse ponto, anoto que a própria petição inicial afirma que não se constataram problemas psiquiátricos no idoso (o que faz presumir sua capacidade para os atos da vida civil); que ele é agressivo e não aceita ajuda. Sobre questões similares, já entendeu o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IDOSO. VULNERABILIDADE SOCIAL. MEDIDAS DE PROTEÇÃO. Pretensão do Ministério Público à realização de estudo psicossocial para verificar possibilidade de abrigamento involuntário de idoso. Pedido subsidiário de abrigamento às expensas do Município. R. sentença que extinguiu o feito nos termos do art. 485, VI, do CPC/2015, por não vislumbrar interesse do agir do autor. Reforma que se impõe. Desnecessidade de esgotamento das instâncias administrativas antes do ajuizamento da ação judicial visando à aplicação de medidas específicas de proteção estabelecidas no Estatuto do Idoso. MÉRITO. Julgamento com fulcro no art. 1.013, §3º, I, do CPC/2015. DESCABIMENTO DA PRETENSÃO. Dentre as medidas protetivas, o art. 45, inciso V, da Lei nº 10.741/2003, dispõe sobre a possibilidade de determinar o "abrigo em entidade", visando garantir a dignidade da pessoa idosa que se encontra com direitos ameaçados ou violados, nos termos do art. 43 da mencionada lei. No caso concreto, entretanto, o idoso manifesta expresso desejo de permanecer em sua residência, havendo desinteresse em abrigar-se em entidade. Idoso plenamente capaz. Ausência de documento médico que indique eventual necessidade de abrigamento. Preservação do direito à liberdade do idoso. Arts. 2º e 10 do Estatuto do Idoso. Impossibilidade de imposição forçada de medida de proteção de abrigamento. R. sentença reformada para julgar improcedentes os pedidos. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 1003248-23.2020.8.26.0400; Relator (a): Flora Maria Nesi Tossi Silva; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Público; j. em 20/8/2021)
Assim, desde já, indefiro o pedido de entrada forçada na residência do idoso (já que não consta no polo passivo e não se pode deferir medida contrária a sua vontade); e esclareço que o tratamento e eventual internação ou abrigamento somente poderão ser realizados se houver a concordância do idoso. Ou seja, os pedidos serão analisados sobre a ótica de obrigar o Município a disponibilizar os tratamentos (expurgando eventual omissão estatal), mas não sob a ótica de obrigar o idoso a eles se submeter (porque a situação processual não permite submetê-lo à tutela estatal contra sua vontade). Estabelecida a premissa acima, passo à análise dos demais pedidos. No que toca ao pedido de tutela provisória de urgência, é necessária a demonstração cumulativa da: a) probabilidade do direito, consistente na alta chance de procedência do pedido, ao final; b) do perigo da demora, que correspondente na possível perda ou lesão do direito caso a tutela não seja concedida no início; e, c) reversibilidade, ou seja, na possibilidade de retorno ao statu quo ante em caso de revogação da tutela. Ainda, em relação ao primeiro requisito, deve estar demonstrado tanto fática como juridicamente. De maneira que a parte autora deve demonstrar que o ordenamento jurídico acolhe sua argumentação jurídica, abstratamente; e que, no caso concreto, por meio de um conjunto sólido de indícios, é possível vislumbrar os elementos que compõe a hipótese de incidência do direito alegado. No que toca à probabilidade do direito, determina o art. 43 do Estatuto do Idoso a possibilidade de medidas de proteção, dentre outros casos, se houver omissão da família ou do Estado. Já o art. 45 especifica as medidas que podem ser adotadas. Ainda, a petição inicial foi capaz de mostrar, em um juízo de cognição sumária, elementos suficientes sobre a situação de risco. Há fotos às fls. 13/17. O relatório de fls. 18 e seguintes afirma constante embriaguez, ausência de energia elétrica ou água, residência inabitável. O relatório informativo de fls. 44 mostra a necessidade de tratamentos médicos e a insalubridade da residência. No mesmo sentido fls. 49 e 50. Às fls. 66, demonstra-se a aparente capacidade do réu. Às fls. 73 e seguintes, há novas fotos do local, com indícios de situação delicada, acúmulo de lixo e local de fácil proliferação de doenças. Ademais, os documentos são fartos no que toca ao etilismo. Em um juízo sumário, está suficiente a prova quanto à necessidade de tratamento do etilismo e, ainda, da realização de limpeza da residência. Reiterando, novamente, que como o idoso não consta no polo passivo, somente é possível a oferta (mesmo com busca ativa do cidadão), mas não que se o obrigue a comparecer. No que toca à responsabilidade estatal, também está presente, em um juízo inicial. A Constituição da República, em seu art. 196, estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Já o art. 198, caput, do mesmo diploma, prevê que “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único (...)”. Logo, a União, os Estados e os Municípios possuem o dever comum de promover a saúde, atuando de forma articulada e em caráter de cooperação. Ou seja: em caso de condenação, impera a solidariedade passiva dos entes federados. Por fim, o art. 9º do Estatuto do Idoso afirma o dever do Estado de garantir à pessoa idosa a proteção à vida e saúde. Assim, o Município tem o dever de fornecer ao munícipe idoso os tratamentos de saúde (incluídos aqui os sanitários) necessários. Em relação ao perigo da demora, está claro das fotos juntadas as autos. Mostram que a omissão do Estado em fornecer tratamento adequado vem possibilitando o agravamento da doença, com consequências na vida do idoso (acúmulo de lixo em sua residência, provocando situação inóspita do ponto de vista sanitário). No que toca à reversibilidade, o tratamento pode ser interrompido em caso de revogação da ordem. Quanto ao tratamento já fornecido, é irreversível, podendo se cogitar, quando muito, de questões financeiras. Todavia, quando estão em jogo os valores da vida e saúde, o requisito da reversibilidade deve ser averiguado de forma atenuada, para evitar perecimento gravoso de direito. Para garantir o adimplemento da obrigação de, se não houver cumprimento no prazo abaixo, o Ministério Público deverá propor cumprimento de sentença provisório a apresentação de orçamentos para a realização do tratamento. Então, o valor será sequestrado e o tratamento custeado de forma direta. Ainda, independentemente do ato acima, será imposta ao Município multa no valor de R$ 10.000,00 para o descumprimento da obrigação de oferecer de forma ativa o tratamento ambulatorial para o etilismo e de R$ 10.000,00 quanto à obrigação de promover adequação sanitária da residência (desde que autorizada entrada pelo idoso). É preciso que ocorra intimação pessoal da parte ré (enunciado da Súmula n. 410 do STJ). À luz do exposto acima, defiro a tutela provisória de urgência para determinar ao Município de Teodoro Sampaio que: a) ofereça, inclusive por meio de busca ativa, tratamento ambulatorial a xxxx para alcoolismo e para sua visão, incluindo apresentação de relatório mensal onde conste eventual necessidade de internação para tratamento; e, b) forneça os meios para a erradicação das questões sanitárias do imóvel, a qual somente será realizada se houver autorização do idoso (anotando que a autorização poderá ser dada por escrito ou gravada, se apresentada oralmente). O prazo para cumprimento da ordem é de sete dias. Quanto à ciência à Secretaria de Promoção Social do Idoso e Conselho Municipal, os relatórios mostram que os órgãos já tem ciência da situação do idoso. No mais, como órgãos do Município, basta a ciência do Município sobre a presente demanda para que se considerem notificados. Por fim, isso não impede a notificação própria pelo órgão requerente, no uso de seu direito de petição. Int.-se o Município pessoalmente para o cumprimento da ordem acima. Por não vislumbrar na espécie, diante da natureza da controvérsia posta em debate, a possibilidade de composição consensual, deixo de designar a audiência de conciliação (art. 334 do Código de Processo Civil). Cite-se a parte ré para, querendo, oferecer contestação, por petição, no prazo de 30 dias úteis (CPC, arts. 183, 219 e 335). Sobre a contestação, diga o Ministério Público, no prazo de 15 dias. Ciência ao Ministério Público.